Qual o tamanho do risco que estamos comprando com o lockdown devido ao coronavírus?

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O Brasil segue uma estratégia correta ao adotar a quarentena horizontal (inclusive com praticamente lockdown em algumas cidades)? Para entender estas e outras dúvidas que tanto assombram atualmente empresários, gestores, vendedores e demais funcionários em todo o Brasil, conversamos com Paulo Portinho. Executivo financeiro com experiência e atuação em mercado de ações, derivativos e análises de empresas, Paulo Portinho é professor de finanças corporativas e analista da Comissão de Valores Mobiliários.

Com 5 livros publicados, entre eles “Quanto Custa Ficar Rico?” e “O Mercado de Ações em 25 Episódios” (Editora Campus Elsevier), deu vida recentemente à obra “Tudo é impossível, portanto Deus existe”, onde discute a incapacidade que muitas vezes temos de diferenciar um perito de um charlatão. Ponto, aliás, que para ele tem sido um dos graves problemas do atual momento: a dificuldade de separar convicções políticas da análise do atual cenário sob o ponto de vista científico.

Há algo que possamos aprender com a Crise de 1929 e com a Gripe Espanhola? Poderá o governo arcar com a conta da quarentena atual? O que esperar da bolsa este ano? Devemos temer a infração? Essas e outras respostas de Portinho você confere a seguir:

Quais são os erros mais comuns de serem cometidos em um momento de crise?

Nessa crise em especial os principais erros são a desconexão entre as diversas autoridades e a opção por vender de início a ideia do lockdown longo, podendo durar meses.

Dessa lista de erros, qual você considera o mais grave? Por quê?

paulo portinho professor de finanças corporativas e analista da Comissão de Valores Mobiliários
Paulo Portinho, professor de finanças corporativas e analista da Comissão de Valores Mobiliários

O erro mais grave de todas as autoridades envolvidas foi criar um clima de paralisia longa para o país. As autoridades deveriam ter proposto lockdowns pequenos, pois as pessoas conseguem se planejar para 10-15 dias em casa. Mesmo os que passariam necessidade, poderiam se ajudar para um período pequeno. Mas quando as autoridades sugerem que o confinamento e o fechamento da economia pode durar meses, as pessoas entram em desespero e simplesmente perdem o interesse de honrar contratos. Se, durante um confinamento curto, o vírus se mostrasse muito grave, seria mais fácil para o governo convencer as pessoas a permanecer em casa.

Mas optaram por transmitir aos brasileiros que teríamos o caos econômico. Esse erro será o mais custoso, principalmente pelo poder público de alguns estados estar determinando o não pagamento de contas de serviços públicos, impostos, hipotecas, empréstimos, etc. Não há modelos para lidar com algo tão incerto. Muito arriscado. Deveríamos ter feito tudo devagar, acompanhando a evolução da epidemia.

O que a crise de 1929 pode nos ensinar para lidar com o momento atual?

Tenho visto muita gente comparando essa crise à da gripe espanhola do pós-guerra e com a crise de 1929. Acredito que não é possível extrair lições daquelas crises, do ponto de vista econômico. O mundo de 2020 tem mercados extremamente dinâmicos, mercados de derivativos na faixa do quatrilhão de dólares de valor nocional. É tudo interligado hoje. Além disso, temos uma condição que nunca houve na história econômica da humanidade: os estados nacionais estão muito endividados e emitindo a juro zero. Esse momento será crucial para vermos se os estados conseguirão financiar os esforços de guerra emitindo a custo baixo. 

E a ideia de Plano Marshall para salvar a economia?

Entendo que um Plano Marshall precisaria de um país que enriquece durante essa guerra e salva os outros em frangalhos. Do ponto de vista de finanças públicas, parece-me que todos sairão muito machucados, não haverá um vencedor claro para financiar todos os outros.

O Plano Marshall custou, em valores de hoje, US$ 128 bilhões. Se somarmos os esforços dos bancos centrais e dos tesouros nacionais, é provável que cheguemos à casa dos US$ 10 trilhões.

A questão hoje é uma só: capacidade de financiamento. Se os países continuarem a emitir títulos com juros negativos ou baixos e as pessoas comprarem, poderemos pagar esses esforços. Se tivermos dificuldade para colocar esses títulos, viveremos um problema grave de financiamento. Como pagar esses trilhões que vão para os bolsos dos cidadãos e das empresas?

Uma opção que discuti nos meus vídeos seria a emissão de bônus de guerra, que seriam títulos com um apelo diferenciado, em que as pessoas compram não só pelo retorno, mas como esforço pela recuperação do país. A Europa já está discutindo isso, chamando de Coronabonds. 

A opção gravíssima é a emissão de dinheiro. A emissão de dinheiro pura e simples tenderia a gerar inflação e puxar para cima os juros das dívidas públicas.

Na VendaMais somos bem focados em Vendas, então vamos falar um pouco mais sobre isso. Na sua opinião, o que um gestor de vendas deve fazer e o que deve evitar neste momento?

Creio que o foco seja tentar ver como incrementar vendas online e pensar em outro mix de produtos que possam ser do interesse de tanta gente confinada. Não há muito o que fazer, infelizmente, a não ser esperar e torcer para que passe mais rápido do que estão prevendo.

Qual a sua leitura sobre a condução do governo brasileiro frente à pandemia e os riscos econômicos?

A parte técnica está fazendo um trabalho muito correto. Não estão inventando nada. A parte política, em todos os níveis, está atrapalhando. Meu sonho seria ouvir apenas técnicos discutindo soluções, mas não é possível. 

A pergunta mais difícil (e talvez a que você mais escute neste momento): o que esperar da bolsa neste ano?

Temos cenários pela frente, em todos a economia sofrerá muito. Temos que torcer para o cenário mais brando da doença, pois perderemos menos vidas e os danos econômicos seriam previsíveis. Não há, infelizmente, cenário que envolva dano pequeno à economia. Uma coisa me parece razoável, as análises financeiras futuras terão que incluir um risco de pandemia. Era um risco que não estava no radar dos analistas financeiras, me parece que agora precisará estar, em todas as suas projeções.

E da Selic? Temos um risco de inflação à frente?

Esse é o problema mais grave e mais incerto. Precisaremos de bilhões de reais, como captar? Será que teremos compradores para bilhões de títulos pagando juro tão baixo? Se esse mercado de capitalização do governo através de dívida pública se mantiver funcional, não haverá problemas, mas se não conseguirmos captar, pode ser necessário elevar os juros. Ou criar os bônus de guerra como sugeri. Outra opção, bastante desagradável e já usada no Brasil em décadas anteriores, são os empréstimos compulsórios. 

A inflação também é uma incógnita. Se houver paralisação ou redução de produção, podemos ter aumento de preços por falta de oferta. Mas o risco maior é se, por alguma loucura, passarmos a imprimir dinheiro sem lastro em títulos (seria loucura, mas já vi sugerirem isso na Europa). Isso tende a subir os juros e a inflação. Espero que essa ideia nem apareça por aqui. Nosso passado inflacionário deve permanecer enterrado.

Em recente artigo você escreveu sobre outro risco viral, que é a cobertura das catástrofes. É mais difícil hoje, com as redes sociais, conter o pânico e o excesso de informações não-técnicas? Quais os riscos?

Nosso sistema educacional não nos forma para uma abordagem científica e metodológica. Usamos, nas redes sociais, uma dialética capenga. Existem as teses e as antíteses, e as pessoas aderem cegamente a elas esquecendo que o objetivo de levantarmos teses e antíteses é chegarmos a uma síntese, que é um conhecimento melhor sobre o assunto.

Escrevi um livro recente sobre filosofia da ciência, lançado pela Amazon: “Tudo é impossível, portanto Deus existe”, onde discuto nossa incapacidade de diferenciar um perito de um charlatão.

Infelizmente nossa imprensa, de forma geral, opta por assumir um lado da moralidade e encaixar as informações nessa narrativa de significação. Raras são as vezes que recebemos informações e fatos brutos.

Mas isso não tem volta, nós é que precisamos mudar para reaprender a identificar o que é fato bruto, o que é narrativa.

Com tanta experiência na área, quais dicas ou informações você vê sendo dadas pela mídia sobre a crise econômica X crise na saúde devido ao coronavírus com as quais claramente não concorda?

Eu entendo que não dá para lutar contra o confinamento, pois as pessoas estão com medo e é justo que tenham medo. A ciência ainda engatinha sobre a COVID-19, não há protocolos específicos para combater essa epidemia em especial. Estamos usando conhecimento de outras epidemias, o que pode não ser suficiente.

Mas eu discordo demais da forma como conduzimos a questão do confinamento. Optamos, já de início, por sugerir que as pessoas ficariam confinadas por um tempo que não permitiria mais que elas honrassem seus contratos. Peguemos Nova Iorque, por exemplo. O governador tinha determinado que as aulas ficariam suspensas até primeiro de abril. A coisa apertou, ele prorrogou por mais 15 dias. Isso é dar um horizonte com os quais os negócios podem se ajustar. Aqui no Brasil, de imediato, o secretário de educação do Rio determinou que as aulas não voltarão em menos de 90 dias. Não se antecipa um desastre econômico dessa forma. Ainda que seja, de fato, necessário levar por 90 dias, isso não pode ser feito de uma tacada só, pois os agentes econômicos se ajustam a essa realidade. É força maior, os pais vão parar de pagar.

Conte um pouco da sua rotina em home office, como está sendo trabalhar neste cenário?

Os problemas do Home Office são muitos, crianças em casa, cachorro latindo (rsrs)… mas o que mais atrapalha é a necessidade que sentimos de nos manter informados sobre tudo. É informação demais e tudo muito triste e perigoso. Eu precisei trazer muito trabalho para casa, e precisei trabalhar de forma ininterrupta nos finais de semana. Espero uma rotina mais leve em uns 5 dias. Tem sido complicado.

Algum último comentário que queira fazer para os leitores da VendaMais?

Acho que o comentário mais importante é respeitar os medos dos outros. Nenhum de nós é representante de qualquer verdade absoluta. É razoável que as pessoas sintam medo e não queiram sair de casa, é razoável que as pessoas tenham medo da paralisia econômica. Todos seríamos melhores se deixássemos as disputas políticas de lado, por isso meu sonho de ver apenas técnicos conduzindo esse momento do país.

Quando vejo as entrevistas de políticos, tenho a nítida impressão de que perdem votos. Sempre. Quando vejo a entrevista de técnicos, me sinto confortável, fora do ambiente da luta política e da luta por votos em 2022. Se eu fosse político hoje, sairia de cena e deixaria apenas os melhores quadros técnicos para o debate. Não é momento para luta política. Quem sair de cena ganhará votos. Não há nada mais insuportável do que estar aqui em casa com medo da doença e da perda de renda e ver uma briga política na TV. Não há nada mais fora de hora. 

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