Dura lex sed latex

Os romanos diziam que a lei é dura, mas é lei. Dura lex sed lex.

Outro dia tivemos um caso interessante aqui na VendaMais. Um cliente pediu para que o vendedor que o atendia quebrasse uma regra interna para poder atendê-lo melhor.

Nada antiético, pelo contrário: algo normal, do dia a dia (extensão de prazo de pagamento), mas indo contra algo que internamente já foi conversado várias vezes e ficou definido, em conjunto com a equipe, como padrão e regra. Não pode! E se não pode, não tem exceção.

Essa coisa da “exceção”, inclusive, é algo que é muito forte culturalmente no Brasil. Não pode, mas às vezes pode. Aí, fica a dúvida: pode ou não pode?

Se não pode, mas pode… então pode, certo?

Se você coloca uma regra e é duro ou rígido na sua aplicação, as pessoas se ofendem, porque como todo mundo está acostumado que a lei é dura, mas estica (Dura lex sed latex, do sempre ótimo Millôr), então pode.

Falar que não pode na teoria, mas na prática pode, vira uma bagunça. Porque começam os diversos tipos de interpretação. É o 5w2h da bagunça organizada, a formalização da informalidade.

  • Quem pode?
  • Quando pode?
  • Quanto pode?
  • Onde pode?
  • Por que pode?
  • Como pode?
  • O que pode?

Coloca um judiciário leniente e lento no processo e você tem a bagunça que temos hoje. É muito complicado colocar regras (principalmente comerciais) num país que tem, por definição, uma cultura anti-regras e uma síndrome do coitadismo e do mimimi.

Exemplo: pode chegar atrasado no teatro? Não pode. Atrapalha os atores, e quem chegou no horário é prejudicado.

Pode barrar a pessoa que chegou atrasada? Em qualquer lugar do mundo PODE. E acontece. E as pessoas respeitam. No Brasil? A pessoa barrada começa a levantar a voz, a falar que é um desrespeito, a ameaçar, a dizer que vai falar com o padre, o bispo, o prefeito, o senador, o segurança, o delegado, o Trump, o Clinton, papa Francisco… Muitas vezes manda o famoso: “Você sabe com quem está falando?” etc.

(Pausa rápida, para descontrair: na Southwest Airlines, que é famosa pela descontração e informalidade da equipe, uma vez aconteceu de uma figurinha pública, ao chegar atrasado e ser barrado no balcão, impedido de subir na aeronave, soltar um “Você sabe com quem está falando?” para a atendente. A moça, sem a mínima dúvida, pegou o microfone e anunciou para o saguão inteiro: ‘Atenção, pessoal! Temos uma emergência médica. Esta pessoa na minha frente está com amnésia e não sabe quem é nem lembra seu nome. Eu também não sei quem ele é. Temos algum médico que possa ajudar este senhor? Ou alguém que saiba quem ele é e possa ajudá-lo com sua amnésia?’. Claro que isso aconteceu nos Estados Unidos e todo mundo riu – inclusive a figurinha. Imagine o escândalo se tivesse acontecido no Brasil!)

Mas não é o brasileiro por si. Brasileiro vai para a Flórida e para no sinal de STOP. Aí volta para o Brasil e passa direto no sinal de PARE.

Por que a gente para no STOP, mas não para no PARE?

Exemplo bem caseiro, aqui da minha família: Dani e Rafa precisam subir às 21h30 para tomar banho e dormir.

A que horas, então, é para subir? As crianças obviamente lutam para testar esse limite. Casos reais dos debates que tivemos recentemente:

  • “21h30 é para desligar a televisão e se preparar para subir” (sendo que “se preparar” pode durar qualquer coisa entre 5 e 15 minutos, incluindo jogar futebol com uma meia no corredor por 10 minutos).
  • “21h31 é quase 21h30.”
  • “Ontem já fomos às 21h30, então hoje podemos ir 21h35” (outro caso real – segui a lei ontem, então pronto, já fiz minha parte, agora tenho créditos que permitem que eu descumpra a lei)
  • “Todos meus amigos podem subir às 21h45, por que só eu que tenho que ir 21h30?” (se todo mundo rouba, por que só eu fui pego?)
  • “Tirei só As e Bs no meu boletim, então posso subir às 22h.”
  • “Hoje é sexta-feira, então posso subir às 22h30.”
  • “Tenho lição de casa, então posso subir mais tarde.”
  • “Já me adiantei e tomei banho, então posso subir mais tarde.”
  • “Se eu subir às 21h30, tomar banho e escovar os dentes, posso descer e ficar até as 22h assistindo TV?”
  • “O programa que colocamos para assistir só termina às 22h, podemos assistir até o final?”.

Não estou inventando nada disso. Todos são casos reais. E tem mais, mas para ilustrar a lógica acho que é suficiente.

Tentação e chances de quebrar uma regra sempre vão existir.

As pessoas falam na frente do padre, dentro de uma igreja, que vai ser até que a morte os separe e nem isso dura! Imagine o resto. É difícil mesmo.

Tudo isso cria um dilema para a área comercial. Principalmente quando você encontra os clientes que eu chamo de “pré-ofendidos”. São pessoas que vão andando pela vida esperando que alguém lhes dê qualquer motivo para reagirem ofendidas.

Quando um pré-ofendido se encontra com uma regra, pode saber que teremos problemas. E provavelmente uma reclamação. “Fui ofendido – pedi uma coisa especial, não me deram… não me senti especial. E quando não me sinto especial… isso me agride muito, acaba com minha autoestima (comentário rápido do Raul: que já é baixa… se não, tudo isso nem estaria acontecendo), e aí eu me ofendo e reclamo mesmo.”

No fundo é sempre assim: todos queremos nos sentir especiais. Ao mesmo tempo, regras existem para serem cumpridas. Se eu abro uma exceção para que um cliente sinta-se especial e, nessa exceção, quebro uma regra, abro um precedente complicado.

De novo, a velha história: pode ou não pode? Lex ou latex?

A equipe inteira está olhando numa hora dessas. Como é que fica?

Minhas recomendações/sugestões (aceito comentários e as suas recomendações/sugestões – não sei se estou certo, é só minha opinião pessoal):

a) A regra existe por um motivo. Lembre-se sempre do motivo na hora de impor a regra. Como tudo na vida, regra sem “reason why”, sem por quê, não se sustenta.

b) Foi discutido e debatido internamente o por quê da regra? A regra foi comunicada claramente, várias vezes, em várias situações, de diversas formas? Chegou-se a um consenso da sua aplicação? Note que consenso é diferente de unanimidade. Não precisa estar todo mundo de acordo. Nenhuma regra ou lei no mundo tem 100% de unanimidade. A questão é de consenso – seja da maioria, seja porque a liderança da empresa definiu que é importante, fundamental. Segue-se a regra neste caso e ponto final. Não é para isso que existe liderança?

c) Se a liderança exige que a equipe cumpra uma regra, mas ela mesma não cumpre, então sed latex. Se um vendedor é instruído a dar no máximo 5% de desconto, mas quando ele pede para o gerente para liberar 6%, o gerente libera, então sed latex.
Ou é regra para todo mundo, sem exceções, ou não é regra.

d) A liderança precisa, ao mesmo tempo, suportar e dar apoio à equipe na hora de impor a regra. Se um vendedor ou vendedora impõe uma regra, o cliente se ofende e reclama e o gerente e/ou diretor dá uma bronca no vendedor, temos uma liderança hipócrita. Se a liderança definiu uma regra que pode não ser popular com clientes em alguns momentos, é um direito seu, mas então precisa empoderar a equipe comercial a lidar com isso.

e) Comunicar uma regra é, às vezes, tão ou até mais importante do que a própria regra. Sei porque tenho dois filhos em casa que questionam tudo, o tempo inteiro. Marília e eu achamos isso ótimo, como forma de criar seres humanos pensantes e questionadores, mesmo que às vezes seja exaustivo (as crianças têm uma energia infinita para este tipo de guerrilha de atrito, como pudemos ver nos exemplos familiares que coloquei anteriormente).

Você pode e deve ser rígido em relação às regras, mas precisa ser gentil na comunicação. Amor, carinho e empatia contam muitos pontos nesta hora. A pessoa pré-ofendida, no fundo, ofende-se não com a aplicação da regra, mas com a forma como ela foi imposta.

Dá trabalho? Dá. Exige paciência? Exige. Mas essa é nossa função, é a missão que escolhemos na vida. Agradeça a oportunidade e enxergue pelo lado positivo.

f) Para terminar: tem que acreditar em organização, processos, disciplina, regras. Se não acredita nisso, se acha que a sua incrível criatividade vai ser cerceada por regras, se acha que tudo deveria ser livre e solto… então, lembre que o assunto já foi estudado. Chama-se ANARQUIA. O conceito é lindo, superpoético, mas falhou miseravelmente todas as vezes em que foi testado em comunidades alternativas. Sabe quais comunidades alternativas prosperaram e cresceram? As que têm regras (e bem rígidas, por sinal).

Eu vejo muita terceirização nisso. Até nas próprias eleições. Precisamos de figuras que venham nos salvar. Ninguém vai salvar o Brasil sozinho. Quem vai salvar, resgatar, melhorar, aprimorar o Brasil somos nós. Eu, você, todo mundo junto. Cada um fazendo sua parte. E essa parte, muitas vezes, é bem simples: sigam-se as regras, sem exceção. Sem “não pode, mas, dependendo, pode”.

Muitas pessoas fazendo algo errado não tornam o errado, certo. E se for impopular às vezes, paciência.

Ou seja, o meu #parapensar desta semana, aproveitando o dia do vendedor, que foi ontem, foi propor uma uma reflexão mais profunda, sem o oba-oba do “parabéns pelo seu dia” só porque é um dia. Aqui na VM temos uma missão. Às vezes, falamos sobre ela de forma mais descontraída, outras vezes, como hoje, mais séria. Porque o que fazemos é importante, porque o que você faz é importante, porque você É importante.

Abraço, obrigado, parabéns pelo dia do vendedor!

Depois me mande seus comentários sobre o cumprimento de regras.

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