“Não venda”: conheça o conceito que faz vender

Scott Stratten & Alison Kramer - Foto Jonathan Bielaski

Livro critica a lógica do funil de vendas e propõe o foco na pré-venda e no pós-venda para gerar novos negócios 

Por João Guilherme Brotto

“Nós temos uma ‘visão de funil’ e isso precisa parar.” É com essa polêmica declaração que os autores Scott Stratten e Alison Kramer abrem seu livro UnSelling. – The New Customer Experience (Não venda – A nova experiência do consumidor, em tradução livre), ainda sem edição no Brasil. Esse é o quarto livro escrito pelo casal canadense que é responsável pelo site UnMarketing.com. Segundo a revista Forbes, Stratten é um dos cinco maiores influenciadores em redes sociais do mundo e a revista Business Review já o considerou um dos dez principais especialistas em marketing dos Estados Unidos.

Na obra, Stratten e Alison apresentam uma nova perspectiva sobre a forma como empresas – mais especificamente profissionais da área comercial – devem analisar seu ciclo de relacionamento com prospects e clientes.

A tese dos autores parte do princípio de que enquanto você está preocupado em prospectar mais e melhorar a conversão, estudos indicam que 57% das decisões de compra são feitas antes mesmo de o comprador fazer contato com sua empresa.

“Focamos nossas energias no momento da venda, mas entregamos produtos/serviços com suporte precário e/ou sem cuidar do cliente depois que ele fecha o negócio. Toda a nossa atenção se volta para o funil de vendas e ignoramos o antes e o depois. Colocamos todo nosso foco na transação individual e ficamos cegos no que diz respeito ao suporte, à experiência de compra e ao atendimento ao cliente”, alertam os autores.

A base do conceito de “não venda” é ter clientes frequentes (não compradores de uma só vez), que mais tarde vão indicar sua empresa. Para isso, é preciso:

  • Ter uma presença digital ativa.
  • Desenvolver uma cultura focada em pessoas.
  • Encontrar o equilíbrio entre menos prospecção e mais relacionamento.
Scott Stratten & Alison Kramer - Foto Jonathan Bielaski

“Não venda” como ferramenta de pós-venda

No livro, Stratten e Alison contam história de uma mãe que, após voltar das férias com a família, fica desesperada por ver seu filho em prantos porque seu bichinho de pelúcia favorito foi esquecido no hotel em que estavam hospedados. Ao se dar conta de que Joshie, a girafa, havia ficado para trás, a mãe ligou para o hotel (The Ritz-Carlton Amelia Island) e descobriu que o “animal” havia sido encontrado e passava bem.

Como o filho estava arrasado por não ter seu companheiro de todos os dias, a mãe explicou a ele que Joshie havia decidido ficar mais uns dias de férias. Para reforçar seu argumento, perguntou ao pessoal do hotel se eles podiam enviar uma foto do bichinho em uma cadeira à beira da piscina para que ela pudesse mostrar ao filho. Eles disseram que sim, mas o que fizeram foi muito além…

Poucos dias depois, a família recebeu em casa um pacote que trazia Joshie são e salvo, alguns mimos do hotel e uma incrível surpresa: um álbum fotográfico encadernado que reuniu toda a jornada de férias de Joshie no Ritz-Carlton.

A foto que a mãe pediu estava lá, junto com diversas outras que resumiam a história das “férias forçadas” de Joshie. A girafinha ganhou até um cartão de membro do time de achados e perdidos do hotel.

Essa história correu o mundo, gerou um burburinho extremamente positivo para o hotel e resume bem o conceito “não venda”, que começa antes da prospecção e se estende muito além do fechamento. “Crie experiências tão incríveis que os clientes não poderão pensar em nada a não ser compartilhar com os outros”, sugerem os autores.

Por que é errado se concentrar apenas no tradicional funil de vendas

“Não venda”- o conceito que faz vender

A nuvem abaixo representa como seus futuros clientes podem estar decidindo, neste exato momento, se vão fazer negócios com sua empresa ou não. “É nessa nuvem de vendas pré-funil que a maior parte das decisões de compra é feita. Na verdade, quando alguém já está em seu funil tradicional (que começa com a captação do lead), sua maior obrigação é não estragar tudo – afinal, a pessoa já foi impactada por algum item da nuvem”, explicam os autores.       

   Antes de entrar em seu funil, as pessoas têm acesso a toneladas de informações, que podem ser suas ou de concorrentes. É por isso que criar experiências incríveis que as pessoas queiram compartilhar é fundamental. Se você não fizer, tenha certeza de que alguém o fará.

Não se trata apenas de ser ativo nas redes sociais: é preciso conectar peças

Uma pesquisa feita pela Forrest Research com 77 mil clientes do comércio eletrônico nos Estados Unidos em 2012 apontou que menos de 1% das vendas vieram diretamente de redes sociais – dado que, a princípio, pode sugerir que Facebook, LinkedIn, Twitter, Instagram e outros canais pouco importam para as empresas.

No entanto, estudos do Google evidenciam que uma pessoa faz, em média, 12 buscas diferentes antes de tomar uma decisão de compra. “O clique que leva para a venda é apenas uma pequena peça do quebra-cabeça de vendas”, analisam Stratten e Alison. Ou seja, as redes sociais são parte de uma estratégia que deve ser maior.

O Google chama essa busca antes da compra de “micromomentos”. “São minúsculos momentos de intenção de tomada de decisão e formação de preferências que ocorrem durante a jornada do consumidor”, explica Sridhar Ramaswamy, vice-presidente de anúncios e comércio do gigante da tecnologia. São eles:

  • Momento eu quero…
    • saber
    • ir
    • fazer
    • comprar

“Todas as empresas que querem investir no relacionamento com seus consumidores precisam saber que esses micromomentos são o novo campo de batalha para conquistar os corações, as mentes e as carteiras dos clientes”, destaca Sridhar.

Acompanhando a lógica dos micromomentos, John Jantsch, especialista em marketing para pequenas empresas, afirma que uma pessoa passa pelas seguintes etapas durante o ciclo de compra inspirado na “não venda”.

O ciclo de compra inspirado na “não venda” e o pós-venda como pré-venda

Uma nova visão sobre o funil de vendas seria algo como o que está representado no ciclo abaixo. Sua empresa está presente em todas as etapas dessa jornada?

“Não venda”- o conceito que faz vender2

Scott Stratten e Alison Kramer também defendem essa tese e, por conta disso, acreditam que o índice de recompra e de recomendações é um indicador que não pode faltar em seu planejamento. “Depois que compram, seus clientes não vão viver em uma ilha deserta isolada. Eles compartilham experiências, boas ou más. As empresas que estão ouvindo, ou seja, que estão atentas aos pontos que formam a nuvem de vendas, estão muito à frente de qualquer campanha de marketing ou publicidade”, explicam os autores de UnSelling.

Com base nisso, pergunte-se: “O que eu estou fazendo para marcar presença na nuvem de vendas pré-funil, nas 12 buscas, nos micromomentos e no ciclo de compra que o cliente vivencia antes de fazer contato com a nossa empresa?”

3 perguntas fundamentais para o pós-venda

Em UnSelling., os autores sugerem o uso de um sistema simples, mas eficaz para detectar o sentimento do cliente a respeito de sua empresa. Chamado de Para, Comece, Continue, o sistema apresenta três perguntas cujas respostas ajudam a formar o cenário mais verdadeiro possível sobre o que, de fato, seus clientes pensam de você – além de gerar ideias para melhorias e inovações.

  • O que você quer que a gente pare de fazer?
  • O que você quer que a gente comece a fazer?
  • O que você quer que a gente continue fazendo?

Cultura organizacional vende

A cultura da Big Ass Fans, uma empresa que fabrica e vende ventiladores de teto situada em Lexington, cidade com 300 mil habitantes situada no estado de Kentucky (EUA), recebe destaque em UnSelling. O produto é algo que não parece inovador, criativo ou capaz de servir de referência para um livro que fala sobre como encantar e fidelizar clientes, mas acompanhe as lições dessa pequena gigante para entender como ela sabe fazer a diferença:

  • Construa um ambiente positivo que atraia boas pessoas. A empresa mantém um programa de bolsa de estudos para ajudar jovens a pagar a universidade. A expectativa, com isso, é, além de retribuir à sociedade, que os jovens se interessem em trabalhar na empresa futuramente. E mesmo quando isso não acontece, a Big Ass celebra o fato de ter amigos espalhados em boas posições no mercado de trabalho. Isso é pensar a longo prazo.
  • Valorize a satisfação dos colaboradores. Se as pessoas estão trabalhando com algo que não gostam, não é um aumento salarial que vai deixá-las felizes. A Big Ass Fans apoia e incentiva que colaboradores mudem de posição se sentirem que já deram o seu máximo em determinado departamento. Além disso, a empresa é reconhecida por pagar salários 30% maiores que a média nacional.
  • Não seja uma commodity. Se a única forma que você enxerga de fazer mais dinheiro é cortando custos, você está se igualando a quem só compete por preço – e não por inovação e valor.
  • Não entre em pânico por causa da crise. A Big Ass Fans atravessou a recente crise que afetou os Estados Unidos apertando o caixa, mas sem demitir colaboradores. Quando a economia voltou a crescer, o time entrosado se tornou um grande diferencial competitivo sobre a concorrência porque estava completo, muito bem treinado e leal à empresa que o ajudou em um momento difícil.
UnSelling. - capa do livro cópia
Capa do livro Unselling

No final das contas, tudo se resume a tratar todos bem

Se você excluir os aspectos que envolvem a estratégia, o foco em desenvolver pessoas e fazê-las felizes e a aplicação das táticas de marketing digital presentes na nuvem de vendas pré-funil, verá que praticar a “não venda” não se trata de fazer grandes investimentos, mas de ser gentil, humano e se importar com a experiência de compra que sua empresa oferece a todos os prospects, clientes e parceiros.

Ganhar dinheiro não pode ser seu objetivo primário, mas o resultado de contratar pessoas excelentes, criar produtos inovadores, prestar um ótimo atendimento pré e pós-venda e desenvolver uma cultura em que todos são tratados do jeito que você gostaria de ser tratado. “Algumas pessoas vão ler o livro e se sentir inspiradas. Outras vão dizer que pouco podem fazer porque atuam em uma empresa qualquer que vende um mero (nome do produto/serviço). Só que praticar a ‘não venda’ é escolher ser melhor do que apenas uma pessoa ou uma empresa comum”, aconselham os autores. E isso independe de tamanho ou segmento.

O que você escolhe?

Reportagem publicada originalmente na VendaMais de novembro de 2015

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