Cresci ouvindo minha mãe dizer que as coisas são como são por algum motivo.
Nunca entendi bem a frase, até começar a ter mais experiência de vida. Hoje, acho que é um dos pilares das coisas nas quais acredito.
Sempre existe um motivo para uma coisa ser do jeito que é. Pode ser errado, você pode não concordar, mas o motivo existe e não temos como mudar algo sem mudarmos antes o porquê de aquilo ser daquele jeito.
Ou seja, nunca devemos confundir sintomas com causas.
Quando falamos de Vendas Consultivas, o que a maior parte dos vendedores de baixa performance não entende é que, no fundo, não estamos falando só de vendas, mas principalmente de gestão da mudança.
Se você estudar de maneira mais aprofundada metodologias com SPIN ou Challenger, vai notar que o poder delas não está na técnica de fechamento ou no ‘hack’ da produtividade ou manipulação com gatilhos mentais. É porque elas focam 100% em gestão de mudança.
Vejo isso acontecendo o tempo inteiro, inclusive com colegas meus que vendem cursos, gurus e influenciadores fazendo posts… tudo baseado em ‘hacks’.
Hacks não funcionam quando você vai lidar com mudanças profundas. Só funcionam com o cosmético e superficial. Por isso talvez sejam tão populares em alguns momentos…
O que me leva ao assunto do título, que o problema não é o problema.
O problema, na verdade, é POR QUE o problema existe e ainda está ali.
Pense bem na frase: o problema não é o problema.
O verdadeiro problema é POR QUE aquilo é daquele jeito até hoje.
Como ficou assim? Por que continua assim? Quais são as forças, os interesses e as pessoas que participam, incentivam e de certa forma se beneficiam com o modelo atual?
Esse é o verdadeiro problema.
Vamos usar o CRM para ilustrar, que é a porta de entrada das equipes comerciais nas ferramentas mais básicas de tecnologia hoje disponíveis para empoderar e otimizar o trabalho do/a vendedor/a. Poderia ser qualquer outro produto ou serviço, só vou usar CRM como exemplo para facilitar.
Mais de 50% das empresas que entrevistamos dizem que não tem CRM.
Estamos em 2021. Todo mundo sabe o que é um CRM, sabe que existe CRM, sabe que deveria usar CRM.
Mesmo assim, 50% continuam NÃO USANDO. O que isso significa?
Veja que o problema não é a falta do uso de CRM. O problema é: por que alguém DELIBERADAMENTE, por muito tempo, decidiu não fazer nada em relação a isso?
A diferença entre as duas perspectivas é enorme, pois uma é racional/objetiva (você deveria usar CRM) e a outra é emocional/subjetiva (sei que deveria usar CRM, ainda não uso e não sei se realmente quero mudar).
Uma empresa vendendo CRM pode optar por dois caminhos:
- Falar sobre os benefícios do CRM, dos problemas que ele resolve, do que acontece se você não usar, etc.
- Lidar com as causas da NÃO ADOÇÃO do CRM (resistências e justificativas para continuar a trabalhar sem a ferramenta).
Podemos utilizar essa fórmula quase que de maneira universal.
– Falar dos benefícios de X
– Falar sobre por que X não está sendo feito/usado
Lembre que as coisas são do jeito que são por algum motivo.
Outra coisa que vejo acontecer com frequência: as pessoas apresentam sintomas como se fossem a causa de um problema.
Continuando na linha de usar CRM como exemplo (de novo, poderia ser qualquer outro produto ou serviço):
– Por que a equipe não faz follow-up nem acompanhamento de propostas?
– Ah… é porque não usam CRM.
Ou seja, não ter “X” (no caso, CRM) é usado como escudo, como desculpa ou justificativa. Mas não é o problema em si. O problema, de novo (vale relembrar), é: por que isso ficou assim e ninguém fez nada até agora?
O que precisa acontecer para mudar? Essa é a raiz a da questão toda.
Não ter “X” é SINTOMA.
Sem trabalhar a CAUSA do sintoma, você vai sempre encontrar resistências enormes, porque você vai oferecer uma solução que parece óbvia, mas que a pessoa rejeita porque, se fosse para ter que se mexer, ela já teria feito algo ANTES.
Mas não fez. POR QUÊ?
Outro exemplo:
– Por que você está mal de dinheiro?
– Porque estou ganhando pouco e gastando mais do que antes.
Qual é o problema verdadeiro aqui? Estar mal de dinheiro?
Concorda que ‘mal de dinheiro’ é SINTOMA?
E as justificativas, são os verdadeiros problemas?
Ganhar pouco e gastar mais não são o problema de verdade. Os problemas verdadeiros vão surgir quando você perguntar POR QUE isso está acontecendo.
Comece a perguntar “E por que está ganhando pouco?” e “E porque está gastando mais?” e aí sim vai começar a se aproximar da “verdade verdadeira”.
Poderíamos dizer que toda situação tem um ‘reason why’, um grande POR QUÊ.
Não adianta tentar mudar o jeito ou a forma de algo estar sendo feito sem antes entender e trabalhar os motivos desse jeito ou forma.
Por que X, Y ou Z não está sendo feito ou não está sendo usado? Qual o reason why? Por que aquilo é daquele jeito?
Está conseguindo acompanhar?
Outro exemplo simples: a pessoa quer perder peso. Vai a uma nutricionista. Ouve tudo que já sabe. Contrata um personal trainer, que lhe fala para fazer tudo que já sabe. Vai realmente perder peso se não mudar o JEITO DE PENSAR? A atitude em relação ao assunto?
Concorda que não tem nutricionista ou personal trainer que salve uma pessoa que continua com a atitude errada em relação à meta que quer (no caso, perda de peso)?
Já sabemos a resposta e você deve conhecer alguém bem próximo que vive o efeito sanfona de ganha peso, perde peso e aí ganha tudo de novo. E vive tentando algum plano novo mágico que promete resultados incríveis sem esforço em pouco tempo.
Definição incorreta de problemas invariavelmente leva à busca das soluções erradas.
– Gente… ganhei 10 quilos este ano. Estou super preocupado.
– Por que você acha que engordou tanto?
– Estou comendo demais e parei de ir à academia.
De novo: qual é o problema aqui? Se você está entendendo meu raciocínio, a resposta não é nem o peso, nem a comida, nem a academia. É POR QUE isso está acontecendo.
Peso, academia, comida, são todos SINTOMAS de algo mais profundo acontecendo.
Como a pessoa diagnostica o problema errado, corre em busca de soluções erradas. E acaba sendo atraída por modismos, principalmente os que prometem o caminho mágico de resultados rápidos sem fazer muita força.
Modismos, manias, febres, ondas… tudo tem impacto de curto prazo. Por isso vira modismo e mania.
Só que depois volta ao normal, ao estado de equilíbrio. Regressão à média é um conceito muito forte que precisa ser mais estudado e aplicado por quem quer alta performance em vendas. A tendência é de sempre voltar a um padrão conhecido, confortável, seguro.
Por isso lembre sempre que venda consultiva é, no fundo, gestão de mudanças.
Gestão de mudanças, como o nome já diz, precisa agir nas questões mais profundas, na raiz, nas CAUSAS, não nos sintomas.
É por isso que defendo que o problema não é o problema. As coisas são do jeito que são por algum motivo. Descubra os reais motivos de as coisas serem desse jeito – seja na vida pessoal ou profissional – e aí sim você estará fazendo venda consultiva de verdade.
Não confunda nunca sintomas com causas (ainda mais quando sintomas forem usados como justificativas).
Continue perguntando POR QUE até encontrar o verdadeiro desafio – aí que reside o grande poder da venda consultiva real, verdadeira, profunda.
Por que as coisas são desse jeito? Como ficou assim? Por que continua assim? Quais são as forças, os interesses e as pessoas que participam, incentivam e de certa forma se beneficiam com o modelo atual?
Esse é o verdadeiro problema.
Abraço, $uce$$o e boa $emana,
Raul Candeloro
Diretor