Mestres obsoletos em artes defasadas

O que acontece quando você é mestre de uma arte defasada?

Acontece com todo ser humano: você leva anos para lapidar sua expertise e habilidade numa área muito específica de conhecimento ou trabalho. Muitas vezes não só seus resultados financeiros quanto sua estabilidade emocional, status num grupo ou família e até sua própria autoestima estão relacionados a essa expertise.

E de repente… essa expertise passa lentamente a ser cada vez menos estratégica, menos importante, menos eficiente.

O mundo vai evoluindo e mesmo que você evolua na sua área de expertise, você começa a notar que está ficando para trás.

Imagine que sua expertise seja colocar pregos, e de repente alguém inventa algo que torna colocar pregos obsoleto.

No começo a outra tecnologia – vamos chamá-la de NOPREG, para facilitar – é cara, ninguém sabe usar, não tem grande adoção. Por causa disso, você olha para NOPREG, acha interessante, mas não acredita que vai chegar em você, que vai atrapalhar ou ajudar. É simplesmente uma curiosidade, como saber que robôs estão construindo casas em algum lugar do mundo. Interessante, mas distante – e, no dia a dia, não muito útil.

Com o passar do tempo, NOPREG começa a crescer. Ainda é caro, ainda é uma parcela de empresas e clientes que trabalha com aquilo, mas claramente vem crescendo. E, de repente, um dia você acorda e seus clientes começam a dizer ‘não queremos mais pregos’.

A mesma coisa acontece com habilidades que temos. Basta ver as nossas universidades e o que estão ensinando. Quem realmente sai de uma faculdade hoje preparado para o FUTURO, sendo que 99% do que está sendo ensinado está baseado no passado?

Esse é um dos desafios da mentalidade exponencial. O exponencial é uma CURVA. Não é uma reta. Como seres humanos, retas nós conseguimos entender bem. Porém, temos dificuldades com curvas!

Antes você lançava um produto ou serviço e tinha dificuldades de falar com 1000 pessoas ou empresas. Hoje você consegue isso em poucas horas.

Pense na diferença e como isso muda o jogo e a mentalidade necessária para sobreviver e prosperar.

Quanto mais um sistema ou processo evolui, mais a expertise tem prazo de validade. E 99% dos experts são experts no passado.

Como ninguém consegue ser expert no futuro, porque ele ainda não aconteceu, dá para entender bem a situação na qual nos encontramos.

De um lado temos experts obsoletos repetindo modelos defasados. Do outro, temos experts teóricos e sem experiência falando que tudo mudou e que agora o futuro é X (com 100% de certeza).

Ambos com altíssima probabilidade de estarem errados.

O exponencial e as mudanças que o exponencial provoca são muito, muito difíceis de prever.

O que não significa que não precisamos estar alertas e ágeis na adaptação. Pelo contrário. Entretanto, esse é justamente o passo mais difícil.

Uma pessoa que é responsável por um processo raramente está pensando em revolucionar esse processo, já que ela é parte dele e, da mesma forma, o processo faz parte de quem ela é. Não só o que faz, seus resultados e até remuneração. É quase que uma extensão de quem se É.

Somos a soma do que fazemos todos os dias. Pouca gente quer mudar de verdade o que faz porque isso seria mudar quem se é.

Queremos RESULTADOS diferentes fazendo a mesma coisa. É muito interessante isso no ser humano.

Como resultado, de maneira geral temos no máximo algumas pessoas pensando em pequenas evoluções do processo existente. Mas kaizen contínuo tem seus limites e se esgota em algum momento, no ponto onde o emocional assume o controle e começa a boicotar e subverter propostas realmente diferentes e revolucionárias, por medo de perder seu lugar no processo.

Imagine uma pessoa que, ao propor um projeto interno, elimina sua posição – caso o projeto tenha sucesso. Quem de verdade faria isso? Muita gente gosta de pensar, de forma romântica, que faria porque ‘é o certo’. Mas participe de reuniões numa empresa e veja quantas vezes isso acontece de verdade. Quase nunca.

Quando comecei em Vendas, vender por telefone era um super avanço e muita gente questionava. Afinal, ‘quem vai comprar sem ver?’.

Aí veio o fax. Tivemos que aprender a vender por fax.

Aí veio o e-mail. Vamos vender por e-mail.

Aí vieram os sites. Vamos criar um site.

Aí veio o e-commerce. Vamos liberar para as pessoas comprarem no site.

Aí veio o celular. WhatsApp. Mídias sociais.

Agora temos NFTs, cripto, metaverso, realidade virtual.

Meus filhos acham isso a coisa mais normal do mundo. Esse é o mundo que conhecem, onde você pode comprar o que quiser, onde estiver, na hora que quiser, no canal que preferir. E ainda entrega em casa.

Já eu lembro quando, para conectar na internet, precisava de um cabo que ligava o telefone (fixo, com disco para ‘discar’ os números) ao computador. E você OUVIA a ligação e a conexão sendo feita.

Uma das principais vantagens da experiência é essa visão histórica que pode ajudar a entender e diferenciar o que muda do que não muda.

Por outro lado, uma das principais desvantagens da experiência é não entender e diferenciar o que já está mudando e se adaptar mais rapidamente a isso. Muitas vezes a experiência é uma inimiga da inovação, pois passa a bloquear novas ideias e até adaptação de ideias antigas que foram testadas e não funcionaram antes, mas que agora, com novas condições, poderiam funcionar.

Henry Ford, por exemplo, tinha muitas esquisitices. Uma delas era que ninguém podia documentar experiências que haviam FALHADO. Olhando assim parece um contrassenso: não seria melhor ter isso organizado, para impedir que no futuro outras pessoas cometessem o mesmo erro?

Ford, como visionário, havia pensado nisso e concluiu que era melhor deixar as pessoas tentarem de novo, pois muitas vezes as condições HAVIAM MUDADO.

Na época em que um teste tinha sido feito inicialmente, não existia uma ferramenta, um processo, um produto, um conhecimento, que mudava tudo e tornaria algo que parecia inútil em algo extremamente útil. Era só tentar de novo – só que de um jeito diferente, em situação diferente.

Mas a maior parte das pessoas (até de maneira correta, em muitas vezes) não vai tentar de novo algo que já foi tentado antes e não deu certo. MESMO QUE AS CONDIÇÕES TENHAM MUDADO.

Nestes casos, a experiência é uma armadilha, pois não conseguimos evoluir nosso pensamento/atitude para uma nova situação. Ficamos presos na velha.

Vários dos projetos que foram um fracasso na bolha pontocom da internet no começo deste século e que terminaram com uma grande implosão da Bolsa e perdas generalizadas para investidores, hoje são um sucesso enorme. Não era o projeto que estava errado, eram as condições.

E quem ressuscitou essas ideias e colocou de novo em prática? Não foram os fundadores ou investidores dos projetos iniciais. Esses eram experientes, já tinham tentado, já tinham fracassado, sabiam que não dava certo. Foi preciso que viesse uma nova geração, de certa forma ignorante em relação ao passado (mas totalmente antenada e entendendo o presente) para resgatar essas ideias e transformar em nova realidade.

Como dizia Ford, todos os dias na fábrica alguém descobre um jeito novo de fazer algo que outros diziam que era impossível de ser feito.

A verdade é que, com o conhecimento acelerado que temos hoje em dia, é praticamente impossível alguém dizer que sabe algo com certeza absoluta.

Então eles iam e testavam de novo algo que já havia falhado antes, só que agora com condições diferentes.

Isso era no começo dos anos 1900. Imagine hoje.

Quando um processo que não funcionava antes passa a funcionar, não significa que as primeiras pessoas que tentaram eram burras, ignorantes ou incompetentes. Muitas vezes significa simplesmente que partes do processo evoluíram de forma a tornar o que era impossível em algo mais prático, fácil e acessível.

Toda geração passa por esse processo de adaptação. Vejo isso em Vendas, por exemplo, onde temos uma ‘divisão digital’ claramente acontecendo e curvas de adoção variadas para as mais diversas tecnologias existentes, onde se repensa não só o processo, mas a função das pessoas em cada etapa.

Para veteranos/as como eu, a experiência geralmente foi adquirida com anos de dedicação, suor, acertos e erros, lágrimas e risos, altos e baixos, vitórias e derrotas, decepções e surpresas. É difícil não carregar isso com orgulho, como uma medalha ou troféu.

Mas, como toda medalha e troféu, é um símbolo de expertise NO PASSADO. Pense nisso: toda medalha, troféu, diploma, significa que você FOI bom. Não significa necessariamente que seja bom agora. Para uma pessoa experiente e de sucesso é muito difícil entender e admitir isso.

Quanto mais o tempo passa, mais eu tenho pensado naquela frase que diz “Deus, dê-me paciência para aceitar o que não posso mudar, energia para mudar o que posso e sabedoria para conseguir distinguir as duas coisas”.

(Ou, colocado de maneira mais bem-humorada: “Deus, dê-me cerveja bem gelada para aceitar o que não posso mudar e café bem forte para mudar o que posso”.)

Tem muita gente fazendo o contrário… tomando cerveja para lidar com o que pode mudar e café para lidar com o que não pode. Precisamos inverter e corrigir isso!

É muito comum o que se chama de ‘analysis paralysis’, ou paralisia pela análise. Bombardeados por excesso de informação e ruído por todos os lados, entramos em alfa e não decidimos nada.

Outro padrão recorrente: achar que o diferente é ERRADO e não só diferente. Boicotamos o que é diferente porque, de novo, não é assim que fomos criados, não é assim que pensávamos, não é assim que sempre foi feito. Mudar o que fazemos, de novo, é mudar quem somos. Por isso é difícil.

Aí vem alguém novo, faz diferente algo que já tinha sido feito e não tinha dado certo, tem sucesso e ficam todos os veteranos se olhando. Como aquilo aconteceu?

Aconteceu porque a coisa sendo feita é a mesma, mas a situação não. O mundo evoluiu e continuamos presos num formato/modelo antigo.

Alvin Toffler disse uma coisa que cada vez faz mais sentido num mundo exponencial: “Analfabetos do século XXI não serão os que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender”.

Desaprender é duríssimo para o ser humano experiente. Daí, muitas vezes, a vantagem da inexperiência – que é bem mais leve e ágil, pois não precisa desaprender. O inexperiente só aprende – e pronto. Depois esse conhecimento vai atingir seu limite, o mundo vai continuar mudando, a geração que era nova fica velha e defasada e o ciclo se repete. A questão toda, para mim, tem sido aprender a lidar com esse ciclo de maneira mais produtiva e sábia.

As gerações que hoje estão no comando passaram pelo mesmo processo com seus pais e avós. Sempre tivemos esse ciclo. Eu ganhava fácil de meu pai nos videogames. Meus filhos jogam videogame muito melhor do que eu. Meus netos ganharão deles. E assim vamos.

Agora, uma coisa que eu aprendi jogando videogames e que não mudou: a melhor forma de morrer é ficando parado.

Para as pessoas mais experientes, talvez uma das perguntas mais importantes hoje em dia seja: “onde preciso DESAPRENDER?”.

  • No que eu acredito com 100% de certeza e que provavelmente está errado ou defasado?
  • Onde o Universo está me dando sinais claros de que estou indo na contramão?

É preciso muita coragem para se fazer essas perguntas. E depois, café e cerveja para lidar com as respostas. 🙂

Só não fique parado, ou corre o sério risco de virar um grande mestre ou mestra obsoleto de artes defasadas.

Abraço, boa semana e boa$ venda$,

Conteúdos Relacionados

Todo bom vendedor é um Masterchef

Todo bom vendedor é um Masterchef

Recentemente, num cruzeiro que fizemos pelo Caribe, tivemos a chance de participar de um “mini programa” do MasterChef no navio.

Algumas pessoas da plateia são escolhidas, recebem uma lista de ingredientes e precisam criar pratos com os ingredientes, apresentando-os depois para serem avaliados pelo júri (no caso, o capitão do navio e dois de seus assistentes).

Continuar lendo

Pin It on Pinterest

Rolar para cima