Confira entrevista exclusiva com Raul Marinho

Raul Marinho

Sobre seu livro

Vamos começar falando do seu livro Prática na teoria. Qual é a principal ideia ou conceito que você defende nele? Por que ele é diferente dos outros materiais sobre o mesmo assunto, que já se encontram disponíveis no mercado?

O Prática na teoria está ancorado no mecanismo do “altruísmo recíproco”, que vem da Biologia Evolutiva, a qual é utilizada para explicar por que indivíduos não aparentados cooperam entre si na natureza – por exemplo: por que morcegos hematófagos dividem parte do sangue coletado com “amigos” que eventualmente não obtiveram sucesso em uma noite de caçada. Ocorre que o “altruísmo recíproco” tem sua lógica fundamentada na Teoria dos Jogos, e é por isso que o subtítulo de meu livro é Aplicações da teoria dos jogos e da evolução aos negócios. A ideia central do livro é a de enxergar os relacionamentos humanos pela ótica da Teoria dos Jogos Evolucionários, o que por si só já é completamente diferente de qualquer outro livro sobre o assunto disponível no mercado. Mas como uma abordagem teórica como essa ficaria excessivamente maçante, eu utilizei o enredo da trilogia dos filmes de O poderoso chefão para mostrar, na prática, como essa história toda funciona – e eu acredito que isso é o que torna o livro legível por qualquer pessoa, independentemente de conhecimento prévio sobre as teorias nele abordadas. Por isso, você pode até não gostar do meu livro, mas jamais poderá dizer que ele não é original.

Quem você acha que deveria ler seu livro? Que tipo de conselhos ou conhecimentos esse leitor estaria procurando?

Eu acredito que todo profissional que dependa da eficiência de seus relacionamentos profissionais para alcançar sucesso no trabalho deverá obter benefícios com o meu livro. Por exemplo: um gerente de contas de um banco, o qual vai conseguir ou não bater suas metas dependendo do seu sucesso em convencer seus clientes a manter um relacionamento produtivo com ele. Esse tipo de profissional – vamos chamá-lo de “gestor de relacionamentos profissionais” – aprende a trabalhar na prática, baseado em tentativa e erro, tateando no escuro; digo isso porque foi assim que eu aprendi a trabalhar quando era gerente de contas. O meu livro é uma espécie de lanterna para esse tipo de profissional trabalhar menos no escuro e saber o que está fazendo. Gerir relacionamentos profissionais conhecendo os mecanismos da Teoria dos Jogos Evolucionários é tão importante quanto um engenheiro conhecer física. É até possível construir uma casa de maneira intuitiva, mas ela certamente consumirá mais recursos e será menos segura e confortável do que se o construtor tivesse os conhecimentos de um engenheiro, não é mesmo?

Por outro lado, quem você acha que NÃO deveria ler seu livro? O que as pessoas não irão encontrar nele?

Quem está esperando uma receita de bolo para aplicar em seus relacionamentos profissionais vai se decepcionar. Mesmo nessa segunda edição, em que incorporei um “Manual de gestão de relacionamentos profissionais”, o livro ainda é, essencialmente, uma espécie de gramática para os relacionamentos profissionais. Não se trata de um livro com modelos de textos prontos, só para mudar os nomes dos destinatários e do remetente e assiná-los, se é que estou sendo claro… eu já dei muitas palestras sobre o livro para muitos públicos diferentes e percebi que a compreensão do que falo depende muito da experiência de quem ouve. O livro é sobre teorias que explicam fatos já conhecidos na prática, e não o contrário, que é a abordagem acadêmica mais comum. Por isso, o meu livro faz muito mais sucesso entre profissionais mais experientes e às vezes é um pouco frustrante para os mais jovens – muito embora, é sempre bom deixar claro, não é preciso ser PhD para entendê-lo: qualquer pessoa com o ensino médio completo tem capacidade para tal.

Assim que uma pessoa termina de ler seu livro, qual deve ser a primeira coisa a fazer ou colocar em prática?

A Teoria dos Jogos mostra uma maneira pouco usual de enxergar os relacionamentos humanos, e leva um tempo até que se adquira proficiência na identificação do jogo que está sendo jogado, em que estágio esse jogo está, quem são os jogadores e que estratégia eles estão usando, enfim: até conseguir criar um modelo que reflita adequadamente a realidade. Por isso, acho que a primeiríssima coisa que um leitor do meu livro deveria fazer é… nada! Ele deve apenas observar os relacionamentos que acontecem com ele e com outros à volta dele, ou mesmo em filmes, novelas, no Big Brother (que é, aliás, um programa muito interessante para esse fim – pelo menos para isso ele serve!), e correlacione o que leu com o que está vendo. À medida que você vai ficando mais seguro quanto à identificação dos jogos nas relações que observa, vai adquirindo uma espécie de “dom premonitório” e fica cada vez mais fácil antecipar o que os outros farão, e é aí que você começa a ter algum benefício prático do que o livro explica. Partindo disso, será muito simples começar a construir estratégias de relacionamentos mais eficientes. Mas é importante passar um tempo apenas observando as relações e refletindo, antes de querer aplicar a Teoria dos Jogos no dia a dia dos negócios.

Além do seu próprio site, que endereços você recomenda para quem quer saber mais sobre esses assuntos?

Infelizmente, existe pouco material sobre o assunto em português, e mesmo em inglês existe pouca coisa acessível para quem não possui um treinamento aprofundado em Teoria dos Jogos ou em Evolução do Comportamento. Em termos de sites autorais, eu gosto do Robert H. Frank (www.robert-h-frank.com), um excelente economista comportamental, e do Nassim Nicholas Taleb (www.fooledbyrandomness.com), que é um crítico da Teoria dos Jogos, mas faz análises muito interessantes. No www.gametheory.net, você encontra bons textos sobre Teoria dos Jogos e, se realizar uma busca com os termos “behavioral economy”, “evolutionary psychology” ou “game theory”, você certamente encontrará alguma coisa que valha a pena.

Quais são seus livros ou autores preferidos na área de negócios?

Os mesmos Frank e Taleb que citei acima possuem os melhores livros sobre negócios, em minha opinião – fora os clássicos, evidentemente. O Frank possui um manual enorme chamado Microeconomia e comportamento (uma edição portuguesa da McGraw Hill) que é excelente, uma obra de referência imprescindível. Já o Taleb é autor do A lógica do cisne negro (Editora Best Seller), que considero um dos livros mais inteligentes que eu já li. Também gosto muito dos livros e artigos do Stephen Kanitz, meu amigo pessoal e profissional que admiro muitíssimo. Além disso, há uma lista de uns 150 títulos listados no Prática na teoria, com as principais indicações em negrito, para facilitar.

Como começou sua carreira?

Quando eu fiz o curso de administração de empresas na FEA-USP, no final dos anos 1980, não se ensinava Teoria dos Jogos nas faculdades – hoje ela é ensinada nas melhores –; era a “idade das trevas” da Teoria dos Jogos, quando ela tinha a reputação de ser o “obscurantismo da matemática”, conceito que só caiu definitivamente em 1994, com o Nobel do John Nash. Então, eu só tive o primeiro contato com o assunto em 2000, quando um amigo advogado me apresentou um livro recém-lançado de um jurista americano que usava a Teoria dos Jogos para explicar uma negociação de um contrato de trabalho (Law and social norms, de Eric Posner, Harvard University Press). Na época, eu era diretor comercial de uma empresa de TI e estava passando por uma negociação do meu próprio contrato de trabalho, que o modelo explorado no livro explicava perfeitamente. Alguns meses depois, já em 2001, eu fui convidado pela Maria Tereza Gomes, na época diretora de redação da revista Você S/A, para escrever uma matéria sobre uma experiência empreendedora pela qual eu havia passado. Nessa época eu já estava obcecado pela Teoria dos Jogos, estava lendo muito sobre evolução do comportamento e, em um almoço com a Maria Tereza, tentei vender a ela um artigo sobre negociação usando essas ferramentas – na verdade, esse artigo era baseado no tal livro que aquele amigo advogado me apresentara algum tempo antes e que está até hoje no meu blog, neste endereço: http://raulmarinhog.files.wordpress.com/2008/10/dilemanegociacao.pdf. Não emplaquei a ideia, ela achou que aquilo era muito esquisito para a linha editorial da revista, exótico demais. Mas algum tempo depois, já em 2002, o filme Uma mente brilhante, baseado na biografia do John Nash, ganhou o Oscar, e aí eu vi uma oportunidade de ressuscitar o tema com a Maria Tereza. Finalmente, ela concordou em publicar um artigo meu sobre Teoria dos Jogos no site da revista, o qual fez um baita sucesso com os leitores, e eu acabei virando colunista fixo da Você S/A. Foi assim que a história toda começou.  

Como foi o seu momento profissional mais memorável, o que mais lhe marcou?

Foi justamente essa experiência empreendedora que eu citei e que despertou o interesse da Maria Tereza. Depois de trabalhar cinco anos no Citibank, como gerente de contas para grandes empresas, eu abri uma empresa de factoring, no interior de São Paulo. Lá eu conheci como funciona o mundo real, que não tem nada a ver com o mundo das grandes corporações, em um aprendizado dolorido, mas riquíssimo. Sabe aquela metáfora da “selva do mundo dos negócios”? Nada se aproxima mais da vida selvagem que a atividade de factoring, em minha opinião – pelo menos era assim nos anos 1990, não sei como está hoje, pois me afastei completamente do negócio há mais de 10 anos. Foi exatamente por isso que as teorias darwinistas fizeram tanto sentido para mim, e é esta a razão de o meu livro se chamar Prática na teoria: eu primeiro vivi os relacionamentos na prática e, só depois, conheci a teoria que explicava por que eles ocorriam da maneira como ocorreram. 

E o pior momento?

O mesmo. Eu perdi tudo o que eu tinha em termos materiais com essa empresa de factoring, foi terrível. Mas ficaram a experiência e o conhecimento, que acabaram viabilizando minha coluna na Você S/A e meu livro. Parece filosofia de botequim, mas não é: são as piores experiências que nos fazem crescer. Na verdade, aprende-se muito pouco com o êxito; o fracasso é que é o grande professor. Fórmulas de sucesso não são replicáveis, pois, se fossem, o sucesso não seria escasso – e ele tem de ser, por definição. Por exemplo: agora, o Eike Batista está na moda, e milhares de pessoas comprarão o livro dele para serem “Eikezinhos”… mas não serão; o próximo bilionário terá de criar uma fórmula completamente diferente da que o Eike usou. Não adiantará muito estudar a maneira como o Eike obteve sucesso, percebe? Mas o fracasso, este, sim, se repete. Por isso, se você conhecer o fracasso profundamente, poderá evitá-lo com mais proficiência. Esse método funciona muito bem na instrução aeronáutica, por exemplo – uma área em que, obviamente, o fracasso tem consequências catastróficas. Um bom piloto estuda muito mais os erros do que os acertos.

E qual foi o momento mais cômico?

Os momentos que são verdadeiramente engraçados não poderiam ser publicados, e os menos engraçados, acho que não merecem tanta propaganda.

Qual conselho você daria para alguém que está começando na área de gestão/administração?

Posso dar três conselhos? Primeiro: aproveite para errar enquanto as consequências dos seus erros ainda são pouco relevantes; então, seja arrojado no início da sua carreira. Segundo: nunca descuide da sua reputação, seja inflexível quanto à ética. Terceiro: relaxe e não se leve tão a sério, não tenha pressa em vencer.

E quais conselhos você daria para um veterano da área?

Primeiro: nunca se esqueça de que existem pessoas por trás dos números e que elas são o que realmente importa. Segundo: não se deixe levar pelas disputas de ego; uma vaga melhor no estacionamento não significa que você também seja melhor. Terceiro: a mesma recomendação para o iniciante, “relaxe e não se leve tão a sério”.

Qual é o erro mais comum cometido por gestores? Que sugestões você daria para que eles melhorassem?

Nas grandes empresas, eu acho que o grande erro é o divórcio do mundo real. Os executivos vivem em uma redoma e não têm a menor ideia do que acontece fora dela, é impressionante. Se o executivo for um diretor de um banco de investimentos, o qual lida com outros executivos de outros bancos de investimentos, com donos de corretoras, com gestores de fundos, até que isso não traz consequências tão desastrosas; mas, quando esse executivo trabalha em uma empresa de bens de consumo, de varejo ou de prestação de serviços, aí as consequências são terríveis. Então, para os gestores de grandes empresas, o conselho que eu daria é descer do salto e manter contato com o mundo real. Para os das pequenas empresas, eu daria dois. O primeiro é o de não negligenciar a educação: não é porque a empresa é pequena que a mentalidade do empresário também tem de ser. O segundo é sobre a questão ética. O ambiente do pequeno empresário é muito hostil: o governo atrapalha demais, as grandes empresas sufocam, os funcionários são descomprometidos e egoístas, os bancos, então, nem se fala… a sensação é a de que todos são inimigos. Dá muita vontade de mandar todo mundo para o inferno e “fazer como todo mundo faz”: sonegar, trapacear, enganar. Só que isso não funciona em longo prazo; uma hora a casa cai. Então, não abra mão da ética nos negócios, esse é o único caminho para se ter sucesso em longo prazo.

O que você acha que os gestores deveriam PARAR de fazer? 

Uma coisa que me incomoda muito são as tentativas malsucedidas de sistematizar o atendimento ao cliente: centrais de atendimento malconcebidas, vendedores presos ao “sistema”, esse tipo de coisa. Entre em uma loja de telefonia celular (qualquer uma) para ver como é complicado ser atendido de maneira decente nesse tipo de lugar. Eu não acho possível que os vendedores dessas operadoras sejam todos imbecis, mas eles se comportam como se fossem. Por quê? Porque um “gênio”, em algum momento, criou um sistema absurdo para padronizar o atendimento ao cliente, e os vendedores tiveram de se imbecilizar para poder trabalhar nele. Esses sistemas minam toda possibilidade de criatividade e iniciativa do vendedor; não consigo entender por que fazem isso. Pode reparar que, desde que instituíram o gerundismo no atendimento (“No que posso estar ajudando?”), ficou impossível se relacionar com a área de vendas das empresas. Na época que os vendedores eram pessoas reais, que conversavam com você sem scripts, a relação do consumidor com as empresas era bem melhor.

Ainda sobre liderança: o que você acha que os gerentes fazem pouco e que deveriam fazer mais?

Gerenciar pessoas, não processos. Um gerente financeiro, por exemplo, acha que gerencia as finanças, mas ele, na verdade, gerencia pessoas que gerenciam as finanças. Com um gerente comercial, é a mesma coisa: ele não gerencia as vendas, mas os vendedores. O gerente comercial não é um supervendedor, mas, sim, um sujeito que sabe administrar os conflitos em sua equipe e orientar os vendedores corretamente – e assim por diante. Saber vender é bem diferente de saber gerenciar vendedores, mas parece que a maioria dos gerentes se concentra no primeiro caso.

Qual foi o melhor conselho de gestão/administração ou de vida que você já recebeu?

Eu tive um chefe no Citibank que citava uma metáfora interessante sobre como gerenciar estrategicamente a atividade comercial. Ele dizia que temos de agir como um barco com redes para pescar sardinhas e arpões para fisgar merlins, o qual só seria eficiente se o capitão soubesse equilibrar os esforços em pegar as sardinhas e os merlins. Se focasse só nos merlins, poderia ficar sem recursos para o combustível, se esses peixes sumissem por muito tempo, e, se ficasse só pescando sardinhas, o barco nunca seria lucrativo. No livro do Taleb (A lógica do cisne negro), ele explica esse mesmo conceito de maneira diferente, quando fala de escalabilidade.

Qual dica sobre gestão você vê com frequência e acha estar errada – ou seja, coisas que os outros dizem e com as quais você não concorda?

Em linhas gerais, todas as modinhas que surgem de tempos em tempos são grandes equívocos. Um dos principais exemplos é o conceito de “líder servidor”, do James Hunt. Eu fui convidado para dar uma palestra em Belo Horizonte uma vez, em um evento em que o Hunt também era palestrante, e calhou de eu me sentar ao lado dele no jantar. Conversamos longamente, e eu expus (ou tentei expor) minhas críticas ao seu livro, mas… bem, fico constrangido em dizer isso, pode parecer inveja, já que o sujeito é um best-seller, mas o fato é que ele é muito limitado intelectualmente e foi complicado explicar por que a estratégia que ele propõe é falha. Na época, eu escrevi uma crítica ao livro, que ainda está acessível em: http://raulmarinhog.files.wordpress.com/2008/10/monge_e_executivo.pdf.

Há algum comentário final que gostaria de deixar para nossos leitores?

Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer ao Raúl Candeloro pela oportunidade da entrevista, sem dúvida a mais completa e inteligente que fizeram comigo até hoje (embora trabalhosa, mas, “no pain, no gain”, certo?). Ela me fez refletir sobre vários aspectos da minha carreira sobre os quais há muito tempo eu não pensava. Muito obrigado, mesmo! Em segundo lugar, eu gostaria de agradecer publicamente ao J.B. Vilhena, que fez uma excelente apresentação do Prática na teoria na VendaMais de janeiro. Repito aqui o que escrevi a ele em um e-mail pessoal, agradecendo a apresentação: “‘Nunca antes na história deste país’ – como dizia o outro – alguém percebeu tão bem minhas reais intenções: o Prática na Teoria é um livro sobre vendas, escrito para (bons) vendedores, e não um livro sobre teoria dos jogos escrito para acadêmicos!”. E, finalmente, eu gostaria de me colocar à disposição dos leitores que quiserem se aprofundar sobre o assunto: meu e-mail [email protected] está às ordens. Muito obrigado, e sucesso a todos!


Raul Marinho é escritor, palestrante, pesquisador e empreendedor social – dirige uma ONG. Cursou administração de empresas na FEA-USP e atua no mercado financeiro há 20 anos.

E-mail: [email protected]

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