A arte da negociação

A maioria dos profissionais de vendas é louco por fechamento. Quer ver o dinheiro no bolso, o cliente satisfeito e um relacionamento produtivo começando. Porém, para chegar ao último passo da venda, é preciso, antes, passar por diversas outras etapas – incluindo, claro, a negociação, em que seus argumentos são postos à mesa e o cliente está pronto para questioná-los.

michael wheeler - especialista em negociaçãoE nem sempre essa é uma missão fácil. O caminho para o sucesso nas negociações passa por saber exatamente o que é sucesso nesse passo da venda, quais as habilidades do bom negociador, como desenvolvê-las, qual o papel das emoções nas negociações e assim por diante. E é sobre tudo isso (e muito mais) que conversamos com o especialista norte-americano Michael Wheeler, professor da Harvard Business School e autor e coautor de dez livros (incluindo A arte da negociação, que acaba de ser lançado no Brasil).

Wheeler, que esteve em São Paulo recentemente participando do Fórum de Negociação e Gestão Estratégica de Vendas da HSM*, concedeu à VendaMais uma entrevista exclusiva, que você lê nas próximas páginas. Aprenda com ele a ser um negociador de sucesso.

VendaMais – Qual é a sua definição para sucesso em negociação?

Michael Wheeler – Há três testes de sucesso em negociação. Especificamente, para chegar ao sucesso, é preciso ter a habilidade de:

  • Chegar a um consenso – quando for possível.
  • Gerar valor agregado de uma maneira criativa na resolução de problemas.
  • Obter pequenas conquistas antes de elas se transformarem em conflitos custosos.

Em todos esses casos, sucesso também significa negociar de uma maneira que esteja de acordo com seus valores e, quando possível, manter um bom relacionamento com as pessoas com quem você negocia.

Como um negociador consegue alcançar esse sucesso?

É preciso ser estrategicamente ágil e rápido em todos os momentos para alcançar o sucesso nessas diferentes esferas.

Uma negociação nunca é inteiramente previsível. Sempre haverá surpresas. Negociadores que identificam rapidamente oportunidades inesperadas – ou detectam possíveis perigos – têm mais vantagem.

Quais são as características de um bom negociador?

Negociadores efetivos são equilibrados emocionalmente. Eles aceitam o fato de que nem tudo que acontece está sob seu controle – a pessoa com quem eles negociam pode ser tão inteligente e determinada quanto eles e outros grupos não estarão propensos a falar e fazer exatamente o que eles querem –, assim como não seguiriam scripts de outras pessoas. E eles se sentem confortáveis com isso, focam no que podem influenciar por contra própria e começam o processo com sua própria atitude.

É possível desenvolver esse equilíbrio emocional, essa consciência de que nem tudo está sob seu controle?

Com certeza. Mas, para isso, é preciso uma avaliação honesta de seus pontos fortes e fracos. Algumas pessoas são ótimas analiticamente, pensam como jogadores de xadrez e têm excelente noção de como o processo irá se desdobrar, movimento por movimento. Mas essas mesmas pessoas podem não ser tão fortes no que diz respeito ao relacionamento interpessoal, à persuasão e a conquistar a confiança dos interlocutores. Por isso é tão importante ter um mentor ou um colega para quem você pode pedir conselhos sobre como se desenvolver. Eles podem lhe ajudar a trabalhar cada vez mais os pontos fortes e minimizar os pontos fracos, que faz parte do caminho para o sucesso.

Você diz que no processo da negociação tudo pode mudar e que, por isso, é preciso improvisar – mas com disciplina. O que você quer dizer com isso? Como um negociador pode estar preparado para negociar estratégica e taticamente se ele precisa improvisar?

O grande baixista de jazz Charles Mingus dizia: “Você não pode improvisar com base em nada. Você precisa improvisar com base em alguma coisa.” Então, é importante ter um plano, mas apenas como ponto de partida.

É importante chegar para uma negociação com um conjunto de pressupostos – quanto espaço há para um acordo, por exemplo, ou qual é a melhor maneira de envolver a outra pessoa. Ao mesmo tempo, porém, nunca esqueça que essas são apenas suposições – que precisam ser confirmadas ou rejeitadas. Com o desenrolar do processo, você vai descobrir se elas eram exageradamente otimistas – ou pessimistas demais – e vai poder revisar sua estratégia para as próximas negociações. Isso faz parte do jogo.

Por que você é contra scripts em negociações? Quais são os prejuízos que eles podem trazer para o processo e para o negociador?

Eu acho que estou apenas sendo prático quando digo isso. Como é possível você planejar a quinta coisa que irá dizer depois de iniciar o processo de negociação, sendo que o desenrolar do processo depende do que seu interlocutor irá responder à sua abordagem?

Eu duvido que alguém discordaria desse pensamento, mas, ainda assim, muitos profissionais acabam desenvolvendo hábitos que são como scripts inconscientes. Por exemplo, eles são sempre cooperativos (ou agressivos), não importa o que aconteça. Como isso pode funcionar quando as situações são tão diferentes umas das outras?

O ilustre diplomata das Nações Unidas Lakhdar Brahimi diz: “Mantenha a mente aberta e esteja pronto para mudar e se adaptar a cada situação. Não queira que a realidade se conforme ao seu programa; transforme-o para que ele se adapte à realidade.”

E que outras técnicas além do script você recomenda para os negociadores que desejam se destacar?

Mesmo que você esteja preparado e tenha muita experiência em negociação, você deveria lembrar que as coisas podem ser diferentes da próxima vez. Tirar alguns minutos para analisar o melhor e o pior cenário vai aguçar sua percepção da situação que se desenrola.

Você diz que negociadores podem aprender grandes lições de improvisação com profissionais de diferentes áreas, como estratégias militares, xadrez, medicina, psicoterapia, jazz, teatro, comédia de improviso e teoria da complexidade. Nesse sentido, que grande lição você destaca que os negociadores de vendas podem aprender com essas áreas?

Essa é uma pergunta difícil. Eu escrevi um livro inteiro sobre isso e, pode ter certeza, ainda há mais a ser dito. Deixe-me escolher um exemplo único de um desses campos…

Eu tenho vergonha de dizer que nunca tive uma aula de música na minha vida toda, mas eu sempre gostei e admirei os músicos de jazz, que conseguem se reunir e criar algo magicamente, aparentemente do nada. Eles conseguem fazer isso mesmo quando são completos estranhos, sem nunca terem tocado juntos.

Um dos segredos deles para tornar isso possível é a habilidade de ouvir atentamente. Na próxima vez em que você for a uma casa de jazz, não preste atenção nos solistas. Mantenha seus olhos nos músicos que fazem o acompanhamento. Eles estarão profundamente absortos no momento. Eles escutam tudo atentamente para pegar o tema ou entrar no ritmo. Eles não parecem preocupados com o que irão fazer quando sua vez de liderar chegar. Eles saberão o que fazer quando a hora chegar.

Grandes negociadores têm o mesmo tipo de presença de espírito. Essa é uma boa lição.

No embalo do jazz, qual é o papel das emoções nas negociações? O que um negociador deve fazer com suas emoções se quiser alcançar o sucesso?

Negociar deixa muitas pessoas ansiosas. Naturalmente, elas se preocupam em saber se vão ou não atingir seus objetivos. Além disso, muitas pessoas se preocupam com a própria performance. Tudo isso é compreensível, mas contraprodutivo, pois faz com que as pessoas fiquem na defensiva, interfere no poder que elas têm de escutar. Isso tudo as distrai do foco da tarefa em questão.

Nós precisamos ir para uma negociação calmos e alertas. Também precisamos ser tanto pacientes quanto proativos. E deveríamos nos preocupar em ser criativos e práticos.

Pessoas diferentes têm maneiras diferentes de alcançar esse “status”. Eu conheço algumas pessoas que precisam apenas de um lugar quieto para se focar. Outros, precisam ouvir música. Há, também, quem necessite de alguns minutos de ioga e quem utilize lembranças de negociações exemplares para se preparar.

O fato é que o que funciona para alguns pode não funcionar para outros. Mas de uma coisa eu tenho certeza: antes de começar uma negociação, você precisa de um intervalo “limpo”, precisa deixar de lado o que estava fazendo antes.

Qual é a importância da linguagem corporal na negociação?

Nós nos comunicamos de diversas maneiras, não apenas por meio de palavras, das ofertas que fazemos ou das questões que perguntamos. O tom da nossa voz, nossas expressões faciais, nossa postura, todos os nossos movimentos comunicam algo aos nossos interlocutores e, por isso, influenciam no andamento das negociações.

Em sala de aula, às vezes eu mostro aos meus alunos vídeos de outras pessoas negociando, mas deixo o vídeo sem som. Mesmo assim, os alunos conseguem dizer se a negociação está indo bem ou não. Culpa, claro, da linguagem corporal.

Não é um gesto em particular que é revelador – se uma pessoa coça a orelha, por exemplo –, é como a interação acontece. O comportamento dos negociadores está interligado ou não? Explico essa ideia com exemplos. No caso 1, você pode observar as duas pessoas se inclinando para frente na mesa, claramente tentando achar uma solução para um problema. Em outro caso, um negociador pode estar muito ativo, enquanto o outro só ouve. É óbvio que nesse segundo caso as pessoas ainda estão se conectando.

Na sua palestra, você conta algumas histórias excelentes sobre negociação. Você poderia compartilhar uma delas com nossos leitores, para encerrarmos essa entrevista?

Claro. Vou contar uma que está no meu livro…

Como gerente de uma empresa privada de investimento, Jay Sheldon comprou uma pequena empresa de televisão a cabo no Centro-Oeste dos Estados Unidos há alguns anos. Ele não sabia muito sobre a indústria, mas os US$ 8 milhões pedidos pareciam justos e a compra iria deixá-lo “testar a água”. Jay e seus parceiros rapidamente fecharam o negócio.

Um ano depois, eles queriam expandir por aquisição de sistemas próximos. Depois de analisar os números, eles perceberam que poderiam pagar US$ 11 milhões, talvez US$12 milhões para comprar uma segunda empresa, vizinha da primeira.

Jay começou uma série prolongada de conversações com o dono da empresa desejada e depois de dois meses de vai-e-vem, tornou-se óbvio que as partes estavam longe de chegar a um acordo quanto ao preço.

“Ouça”, o proprietário disse. “Eu não coloquei uma faixa de ‘vende-se’ na minha empresa. Você veio até aqui. Você teria que despejar 15 milhões de dólares em dinheiro na minha mesa para me tentar. E eu provavelmente me arrependeria se fechasse o negócio.”

Jay percebeu que ele não estava blefando, mas também sentiu que a demanda era irrealista. Tinham um impasse.

Se o piso de um vendedor é de 3 milhões a mais do que o teto do comprador, não pode haver um negócio. Ou pode?

“Deixe-me fazer uma última pergunta”, disse Jay antes de se levantar para ir embora. “Se você acha que seu sistema vale US$ 15 milhões, quanto vale o nosso?”

“Ah, o seu é um pouco menor”, foi a resposta. “Eu diria que 14, mais ou menos.”

Jay virou o negócio de cabeça para baixo. Ele tornou-se habilmente o vendedor, em vez do comprador.

Em pouco mais de um ano, ele fez seu próprio sistema valer quase o dobro do que havia pagado por ele (e muito mais do que tinha levantado). Teve a agilidade para transformar um aparente impasse em uma venda lucrativa.

Sua solução foi inteligente. Mais importante, porém, foi sua mentalidade ágil. No impasse para a negociação inicialmente desejada, Jay avistou a semente de um outro negócio que lhe seria ainda melhor. Quando ele se soltou de seu plano inicial, a percepção chegou em um piscar de olhos.

Persistência muitas vezes é uma virtude, mas se agarrar a um plano obsoleto, não. Jay Sheldon tinha a intenção de comprar o sistema de cabos nas proximidades, mas quando ficou claro que o proprietário não mexeria no preço, ele nem tentou oferecer mais, nem pensou em ir embora. Em vez disso, ele adaptou elaborando um plano B.

Mas lembre-se de que foi a agilidade de Jay que fez tudo isso acontecer. Seu colega, sentado à mesma mesa, olhando exatamente para o mesmos fatos, não imaginava ser um comprador até Jay fazer essa proposta.

Saiba mais:

a arte da negociação

 

Livro: A arte da negociação

Autor: Michael Wheeler

Editora: Leya Brasil

*Agradecemos à FSB Comunicações por credenciar a Equipe VendaMais para participar de mais um evento da HSM*.

*Entrevista publicada na edição de dezembro de 2014 da VendaMais

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